segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

vagner _^_ branco

 


ou 
uma história que poderia ter acontecido

taubaté — são paulo 
entre 1967 e 1968

tínhamos 7 anos

conheci um menino 
bem
ele era um pouco diferente
sentava-se sozinho no meio-fio
e desenhava na areia que se acumulava
no pequeno espaço na beira da calçada
enquanto nós - outras crianças - 
corríamos em bicicletas ou rolimãs
empinávamos pipas ou jogávamos gude
às vezes eu olhava para o seu rosto pálido
e sentia uma estranha paz em seu olhar
era uma vez… 
e sentei-me ao seu lado 
e falei coisas de criança
perguntei-lhe por que se ausentava por meses
e o motivo de raspar a cabeça
e usar um boné marrom
em suas respostas
ele dizia que eu falava muito rápido
que via luzes com cores desconhecidas
seus melhores amigos eram adultos
- e eles não brincavam - 
 que às vezes era melhor simplesmente aceitar
que sua mãe não o queria se divertindo
com os meninos da rua
nesses momentos
seu olhar parecia distante
como se tendo visões de outros mundos
então começávamos a fazer 
— com galhinhos secos — 
desenhos na areia
repentinamente
ele sorriu

não sei o motivo de ter me lembrado dele hoje
se o medo do futuro
ou de ter visto — na prateleira  o livro
no qual guardei
 - e depois perdi -
uma foto na qual estávamos juntos

mas as lembranças insistem 

agora ele está na calçada
jogando bola comigo
seus cabelos loiros em desalinho
ele me parece incansável
— invencível
mesmo perdendo todos os driblezinhos - 
seus olhos sorriem 
surreais
mas sua mãe chega e o reprende
e o faz entrar na casa
ouço seu choro silencioso
fico estático sem entender
— afinal
sou uma criança de 7 para 8 anos —
no dia seguinte estou brincando com meus amigos
— ele não aparece 
só voltou 3 dias depois 
sentou-se em seu lugar e desenhou
e a vida corria normal
 o cheiro da janta saindo das casas
a noite começando a cair
as mães chamando os filhos para dentro
os pais voltando do serviço
o cheiro de dama-da-noite em florada
escuridão

e a feliz rotina se fazendo presente
até que
 um dia não o vi sentado no meio-fio
e em vários outros
— desta vez a ausência se fez por longo tempo 
quando voltou
cheguei disfarçadamente e me sentei ao seu lado
— a rua
estranhamente vazia 
perguntei-lhe sobre o sumiço
ele apenas tirou o boné marrom
e me mostrou
em toda a sua cabeça
havia marcas horríveis
de todos os tipos
e um corte maior que todos — ainda recente 
olhei para aquelas cicatrizes
com o sentimento dividido entre espanto e nojo
ele me disse — recolocando o boné marrom 
que estava feliz por voltar
seus olhos mantinham aquele sorriso familiar
mas crianças — criança cruel — mudam rápido 
esqueci-me  propositadamente  dele
e voltei para as bicicletas e pipas 
e raramente olhava para ele
que sentado
desenhava na areia


e tudo aconteceu em apenas uma noite
ouvi minha mãe sussurrando para o meu pai
“—ele estava bem hoje de manhã
foram para são paulo
uma ambulância levou.”
me lembrei que naquele dia
— na hora do almoço 
eu havia passado ao seu lado
ele me encarou com um olhar de interrogação 
e incerteza
disfarçando — ainda — a minha repugnância
disse-lhe apenas um oi
e entrei em minha casa
e essa foi a última vez que o vi

vocês se arrependeriam?





ilustração/foto 1, sementes da fé
ilustração2         retirado do site o consolador 
(se a foto ou ilustração tiverem direitos autorais, serão imediatamente retiradas)   


vagner
© 2022 do autor.
permitida a reprodução desde que citada a fonte                










 

 

 






domingo, 27 de novembro de 2022

nova postagem já tem data

 dia 12 de dezembro uma nova postagem

vagner

uma história que poderia ter acontecido




segunda-feira, 10 de outubro de 2022

e a melancolia brinca _^_ branco

 


a primeira vez que a vi
ela estava sentada no meio fio
vestia uma túnica longa
e de cor indefinida
era noite e a chuva tinha passado
tentando iniciar conversa
eu disse um oi
ela virou-se vagarosamente
e pude perceber o seu olhar
— bem
eu nunca havia visto tanta dor 
em um olhar 
perturbado balbuciei
meu nome é branco
ela — ainda me fitando — sussurrou
o meu é melancolia

a lua surgiu entre as nuvens
algumas estrelas também
e enquanto eram refletidas
no asfalto molhado
ela começou a me contar
sobre sua vida
— vida desalento 
falou ter muitas irmãs
e que elas — em conseguindo um amigo 
transformavam-se em companheiras
inseparáveis e leais
contou-me muitas outras coisas
— coisas abatidas 
em contraponto
contei sobre mim
— eu era tão jovem então 
coisas inconsequentes alegres ingênuas
e assim
um elo foi se formando
transformando-nos em um estranho casal
e ela dizendo-se cansada
pediu-me que a carregasse

e o tempo foi passando tão rápido
eu aprendendo enquanto carregava
minha amiga nas costas
íntimos
aprendemos brincar
e nessa brincadeira
por vezes
ela me põe calado
eu — ao contrário 
jamais consegui fazê-la rir
mas tenho comigo
antes que finde o tempo
farei aqueles olhos brilharem
ao menos uma vez

me lembro disso tudo
pois nesta noite
estou andando por uma rua úmida
cujo asfalto reflete as luzes dos postes
— se por acaso
sua janela estiver aberta
e você olhar para fora
poderá ver 
a silhueta de um patético quasímodo
mas não se assuste
é apenas um homem 
 eu 
que caminho carregando
uma velha amiga nas costas
percebendo que a cada dia 
ela fica mais pesada
conto uma piada ela não ri 
e corresponde 
— deixando-me prostrado e tranquilo 
sussurrando incessantemente em meu ouvido
despertencimento
  despertencimento 





ilustração: Luc-Olivier Merson
© 2022 do autor

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

1959 _^_ branco

 




não tem sido fácil

desde o abandono

das águas mornas

que me alimentavam

ser empurrado para a claridade

— para a luz 

todos

— exceto ela 

sorriam e comemoravam

enquanto eu estranhava tudo aquilo

sou aquele que ficou afastado por 4 dias

esperando pelo aconchego dos braços ausentes

e desde então

tenho aprendido muitas coisas

por isso

preste atenção ao que digo

atente-se as cartas que você tem na mão

pois o jogo começa

somente após você ser derrotado


que a vida continua

— suponho que você e eu — já sabemos

crescendo pelas estações — que passam 

folhas nas árvores flores caídas

— pelo caminho 

às vezes você esbarra em alguns vasos

e os derruba

— mas 

por muito que você tente colar

nunca voltarão a ser os mesmos

e não lhe será permitido esquecer

pois existirá sempre um idiota

falando sobre isso

então você convida

 a fada para dançar

sob a luz de candelabros de prata

que refletem seu vestido verde

e assim bailando

tenta não pensar

enquanto no quarto escuro

o cavalo o espera

para montar em seu dorso


durante algum tempo

a vaidade me levou a juntar palavras

tentando recuperar nos poemas

o que deveria ter sido enterrado

mas percebi — a tempo 

que estava me transformando

em um bastardo letrado

contando — com ares de superioridade 

as minhas mentiras

e recebendo tapinhas na costas

de pares adormecidos

— mas como já foi dito 

percebi

— acordei — 

e estou pronto para seguir meu caminho

de maneira impar 

acredito que aprendi o bastante

para poder te dizer

que se a vida é um filme

a felicidade é um frame

e não culpe a sorte

— ou falta dela 

ouça este homem vestido em dourado

pois desde o expurgo

não sabíamos quantas pedras

existiriam neste longo caminho

que nos leva de volta para casa



©2022  do autor

ilustração web

arte p. a.int
















 

domingo, 14 de agosto de 2022

1959 agendado

 já agendado para o próximo dia 22 “1959″, o novo poema.

te espero, abraço e Paz.

segunda-feira, 20 de junho de 2022

homem quebrado _^_ branco



ei velho

só você não percebeu

quanto tempo desperdiçou

você ainda era jovem

quando se sentou pela primeira vez

nessa mesma cadeira

 colocou sua caneta no papel

que estava sobre a mesa

e começou a viver outras vidas

tomou posse de sentimentos

que não te pertenciam

tornou-se parte de vários alguéns

e nenhum era você


quanta mulheres você amou

sem nunca te-las visto

quantas vezes foi abandonado

quando — em verdade — sempre esteve sozinho

sofreu dores

que não eram suas

derramou lágrimas

que não deveriam estar 

em seus olhos

envelhecendo enquanto escrevia

mas 

sua vida

papel em BRANCO


ei velho

SÓ você não percebeu

que suas risadas foram ficando

  cada dia mais raras

 o sorriso — raro sorriso  

não combinava  com o sem brilho 

do seu mirar

você percorreu estranhos caminhos

com suas tintas e páginas

e ao fim de cada jornada

voltava mais incompleto

a cada ressurreição

deixava um pedaço de si no papel


homem quebrado

quantas vidas você viveu

quantos sonhos você sonhou

você percebe o que fez

você percebe que nada era seu

e agora aí

sentado sozinho — olhando para a varanda 

observando o ninho vazio no alpendre

sem saber qual resposta dará

quando alguém te perguntar

qual é o verdadeiro você




escrito originalmente em novembro, 03 de 2014, para ser incluído no livro, poemas de gaveta, lançado no ano de 2018; no entanto, perdeu-se em uma das gavetas da vida e só fui encontrá-lo em março de 2022.

revisto e alterado. as alterações estão nas 3 últimas linhas.

©2022 do autor

proibida a reprodução total ou parcial.
















segunda-feira, 6 de junho de 2022

segunda-feira, 25 de abril de 2022

o curandeiro _^_ branco



não sou aquele

que se senta em uma poltrona

fitando o pôr-do-sol

enquanto sonha


tampouco

sou aquele 

que olha dentro de si

e sorri satisfeito

com o resultado encontrado


antes

sou aquele

que se recolhe nas sombras

e faz da escuridão sua morada


não acredito em coisas complexas

para mim

todas as coisas são mais simples

do que você pode imaginar


vivendo nas sombras

aprendendo coisas das sombras

sei que existe a luz

ainda tenho dentro de mim

— escondido  

um resto de luz

e sei que você pode estar se perguntando

como pode a luz sobreviver na escuridão

respondo

isso não é complexo

é até bem simples

resiste porque é a melhor parte de mim

a parte que não quero perder 

 por isso a escondo 

simples

você não acha?


mas

vivendo nas sombras

— e aprendendo coisas das sombras 

vivencio — sem perder o meu bom humor 

os sofrimentos dos meus amigos de morada

não seria bom ter mais pessoas por aqui

espaço pequeno

superpopulação

calor sufocante

pesadelos

muitos pesadelos

espasmos

etecetera

etecetera

o cheiro ruim de mofo e tristeza que emana

 já faz parte de mim


às vezes

permito-me sair para a luz

 com grande paciência

procuro por pessoas específicas

tomo como minha missão

mantê-las na luz

espaço pequeno

superpopulação

calor sufocante

pesadelos

muitos pesadelos

espasmos

etecetera

etecetera

lembra-se dessa parte?

então

chego devagar

com palavras gentis

— e maneiras gentis 

e aquela racionalização idiota

que o bem vence o mal

consigo — com meu sorriso cativante 

convencer muitos desses específicos seres

a continuarem na luz

mas confesso

acho muito estranho

ter que despertar para a luz

pessoas que vivem na luz

complexo isso?

concordo com você

isso é realmente complexo


nesta minha missão

existem dois perigos

— sou bem-humorado 

gentil

um pouco sexy

e também zeloso dos meus deveres 

neste mundo de luz não posso ser tocado

o toque impregna as pessoas de bem

e o mofo e a tristeza as contaminam

como uma ferida purulenta

fazendo-as amargas

raivosas

e isso é difícil de curar

também não posso ficar muito tempo na luz

se isso acontecer

existe o perigo do meu lado escuro se manifestar

— paradoxo

nas sombras tenho um resto de luz e na luz um quase tudo de sombras 

e mesmo sendo zeloso — como já disse antes 

pode acontecer algumas vezes

isso me preocupa

afinal

espaço pequeno

superpopulação

calor sufocante

pesadelos

muitos pesadelos

espasmos

etecetera

etecetera

como você já sabe

a minha missão

é manter os seres específicos

fora das sombras

onde iriam ocupar o meu pequeno espaço

percebeu?

sou pragmático também


uns me chamam curandeiro

outros aparição

outros — ainda — de louco

particularmente me acho comum

— apesar de me saber

sexy

gentil

charmoso

e com alto poder de sedução 

mas na verdade

nem eu mesmo sei quem sou

o que sei é que algumas vezes

ando entre estranhos

dando-lhes conforto

mas também dores

— as dores são necessárias

para que não queiram estar no meu lugar 

e nesses passeios sinto saudades de casa

— sinto necessidade de estar em casa 

entre meus companheiros de morada



© 2010 do autor

ilustração  (lápis sobre cartolina) Ana Betsa














 





 

domingo, 17 de abril de 2022

segunda-feira, 7 de março de 2022

costelinha e o mendigo _^_ branco



o mendigo está dormindo no banco da praça
coberto por pedaços de papelão e restos de cobertores velhos
sob o banco 
costelinha também dorme — enrodilhado  
companheiros inseparáveis
de feridas
de fome
de jornada

e o mendigo sonha

mil sóis o aquecem
do frio da noite
a lua reflete-se em prata
no orvalho em seus cabelos
estrelas atentas 
velam pelo seu sono — e o do seu amigo  
anjos colocam comida
na velha lata de marmelada 
que ele usa como prato

e então

ele flutua pela eternidade
seus olhos conseguem perceber
as maravilhas disfarçadas em dia a dia
existe tanta paz e plenitude —  em seu sonhar  
que Deus desce de sua nuvem preferida
— aquela com formato de mãe - 
e aproximando-se
afaga a sua cabeça
lembrando-se do dia em que 
Lhe deu como presente
a sabedoria do faz de conta
e Sorriu satisfeito por ter feito isso
costelinha — sempre presente  
está em festa e abana freneticamente o rabo
bagunçando Sua alva e bela túnica
e o mendigo se faz luz
costelinha se faz luz
e por um momento fugaz
criador e criaturas são apenas um
e todo o sentido do mundo se mostra — sem véus 
e uma pomba pousa no invisível fio do infinito

repentinamente

o mendigo é acordado — aos safanões  
pelo guarda da praça
costelinha se põe em alerta e rosna
o mendigo percebe que amanheceu
senta-se no banco
sacode a cabeça
tentando se lembrar de onde está
respira fundo
tira do bolso um naco de pão mofado
— que é dividido com o amigo  
e sentindo-se abençoado
segue — seguido por 4 patas  
para lugar nenhum
deixando atrás de si
o cheiro que incomoda
todos aqueles que não sonham mais




ilustração ;the beggar and the dog (domínio publico)

© 2022 do autor
℗ house of lord