domingo, 14 de fevereiro de 2021

cadáver _^_ branco

 



tudo é fétido

 

07 da manhã

o despertador toca

o cadáver se levanta

escova os dentes

espreme os vermes

que estão sob a pele

penteia os cabelos

faz o café

toma o café

o cadáver

vai para o trabalho

 

tudo é indiferente

tudo é insosso

tudo é desimportante

para o cadáver

 

12 horas

no pulso

o cadáver vai

até o restaurante

olhas as pessoas

não as percebe

enche seu prato

come

arrota

sai dali

 

17 horas

o apito avisa

o cadáver vai ao supermercado

pega aleatoriamente

latas

vidros

sacos

caixinhas

paga

sai dali

 

na rua

as luzes dos postes

se acendem

iluminando fracamente

a bizarra silhueta

de um cadáver

com sacolas plásticas

balançando em suas mãos

entra em sua casa

 

19 horas

o relógio na parede

o cadáver faz seu jantar

mexe na panela

frigideira

faca

garfo

prato

e copo

come

arrota

limpa a boca

no sujo

pano de prato

sai dali

 

20 horas

na televisão

o cadáver olha as imagens

impassível

desliga a tv

vai ao banheiro

mija

toma banho

alguns vermes

somem pelo ralo

escova os dentes

penteia os cabelos

sai dali

 

22 horas

no sino da igreja

o cadáver vai para o quarto

coloca o pijama

deita-se

antes de dormir

a rotina

que o assombra

há anos

e o cadáver aguarda

como em todas

as noites anteriores

que ao amanhecer

seu corpo atinja

a temperatura ambiente

 

o cadáver dorme

não sonha

37ºC