o sol foi embora
e a noite cai sobre a cidade
escuto alguém assobiando uma
canção
passos nos paralelepípedos e
música
ressoam na rua escura
é apenas mais um rosto cansado
voltando para casa
e ao chegar lá
abrirá a porta e olhará
para o espaço vazio sobre a
mesa de canto
— ali ele guardava seus sonhos
dentro da caixinha de madeira
–
irá até a cozinha e abrirá a
porta da geladeira
pegará uma cerveja e a
despejará no copo
voltará para a sala
as luzes continuarão apagadas
acenderá um cigarro
cinzas cairão no chão
sem que ele se importe
e sentado
se lembrará dos sorrisos e
gargalhadas
mas coisas mudaram
perceberá então
que ele mesmo demorou para se
reconhecer
naquele velho refletido no
espelho
os ombros caídos
derrubados pelo tempo e
solidão
então
olhará pela janela e lá fora
a rua mal iluminada pelas
fracas lâmpadas dos postes
trará lembranças de sua
juventude
dos tempos das cantigas de
ninar embalando sua criança
do vento no rosto
em que nada era determinado
e assim sentado — olhando para
a rua –
seus olhos procurarão pelos
vaga-lumes
mas vaga-lumes não existem mais
acenderá outro cigarro
passará as mãos pelos cabelos
tentando encontrar a si mesmo
ou ao menos o exato momento em
que se perdeu
quando se transformou em pedra
e não sangrou
e ele segura o cálice com o líquido
já quente
— do qual beberá até a última
gota –
aguçando os ouvidos e tentando
ouvir cigarras tardias
— desencanto –
cigarras não existem mais
© 2023 do autor
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cálice
retirado dainternet