segunda-feira, 13 de setembro de 2021

a dança _^_ branco


 
pela janela
ele olha a chuva lá fora
que está alagando o asfalto cinzento
 melhor se a rua fosse de terra 
- ele pensa - 
enquanto lembra-se dos cheiros
e brincadeiras nas poças
levanta-se
 com alguma dificuldade
para mover o corpo frágil
os pés menores que os chinelos
refletem-se no arrastar dos passos
abre a porta 
e sai

na rua
a chuva forte o deixa ensopado
ele ergue os braços
e dança
e nessa dança
dançam
o menino que ousou sonhar
o adolescente que ouvia rock
o homem que casou
o pai também dança
dançam
o poeta tardio
o avô solitário
e assim sozinho
ele dança
e porque ele dança
o sol escondido sorri
a chuva se alegra
Deus se faz feliz

os vizinhos chegam apressados
e o levam - de volta - para dentro
enxugam com toalhas rotas o corpo enrugado
daquele velho louco
vestem-no com o surrado pijama azul
o colocam na cama
eles retornam para suas casas
ele se desculpa
ele tosse
ele tem gripe
ele tem sede
ele tem fome
ele tem pneumonia
ele descansa

2 dias depois

com o sol brando
se mostrando pelas janelas da sala
 e todos eles estão lá
com olhares falsamente lacrimosos
mas verdadeiramente surpresos
porque não entendem o motivo
d'aquele velho rosto
pálido e frio
exibir um sorriso tranquilo e feliz
enquanto as chamas das velas 
parecem dançar
nos braços dos castiçais alugados



© 2021 do autor
permitida a reprodução desde que citada a fonte
este poema não fará parte do próximo livro

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

nova postagem já tem data




no próximo dia 13 de setembro, nova postagem de um poema inédito. somente aqui, pois não estará incluso no próximo livro.

aguardo vocês!

segunda-feira, 5 de julho de 2021

criança criança (1973) _^_ branco



(1973)

retrate-me  em um quadro
e pendure-o na parede
de suas lembranças
pinte-me com as tintas
de sua ternura
e depois emoldure-me com seus carinhos

criança criança
quantas vezes dançamos
sob a luz da lua
quanta vezes conversamos 
sob o telhado
que escondia as estrelas
criança criança
quantas vezes vimos a noite 
se transformar em dia
sem saber que já tínhamos
tudo o que procurávamos

ainda guardo a aquarela
com as cores lilás e branco
os pequenos e perdidos tons esverdeados
você foi aquele pedacinho de praia
cuja onda do mar chegou a mim
e ficou

criança criança
muitas vezes nós falamos
sobre como aprender
as coisas do amor
criança criança
por mais palavras que eu tente
- como descrever ? - 
você foi a única
que conseguiu enfeitar
com pedacinhos de celofane
aquela lua amarela gorda e sorridente
que está pendurada lá em cima





escrito originalmente em 1973
(para esta publicação foram retirados as pontuações e sinais gráficos, no entanto, o texto permaneceu como no original.)
a musica i got a name (link abaixo) estava tocando enquanto eu escrevia. 
a foto do ingresso para o show do jim croce foi "retirada" da internet
pouco depois ouvi pelo rádio a noticia da queda do avião que o levava 


© 2021 do autor
autorizada a reprodução desde que citada  a fonte.

segunda-feira, 3 de maio de 2021

no meu mundo anterior _^_ branco

 

quantos olhares

encontrei pelo caminho

para que eu chegasse aqui

olho para trás - no tempo - 

e vejo

vislumbres do meu mundo anterior

que desaparecem apressadamente

quando se percebem observados

tanto foi ensinado

o tanto que foi aprendido

para poder continuar na estrada

cujo final não sei se está longe


persistir

- tristeza garantida

ou sua solidão de volta - 

tento me imaginar neste tempo/espaço

mas acredito que ao longo da jornada

fui como que

apenas mais um artefato pirotécnico

que brilhou imensamente pelo tempo necessário

para depois 

mergulhar novamente na escuridão

pavio curto

artefato queimado


visagem companheira

ainda ouço

os gritos de alegria despreocupada

a pressa em beber da vida

enquanto corríamos excitados

nas ruas encharcadas pela chuva de verão

a musica

a praia

tardes e trilhas

éramos tão jovens e belos

mas a vida me fez homem e ela

bem

ela se fez inalcançável

sim

sei que você sabe

que tudo torna as cinzas

assim como tudo volta ao pó

e aqui sentado

olho para as respostas

que estão à minha frente

espalhadas pelo chão

tristes

inúteis

pois já não me lembro

o que foi perguntado




©2021 do autor 

permitida a reprodução desde que citada a fonte 








terça-feira, 20 de abril de 2021



 breve !

alguma coisinha nova...

penso que entre 26 de abril e 03 de maio

um aposentado revendo amigos, e isso me faz bem..

domingo, 14 de fevereiro de 2021

cadáver _^_ branco

 



tudo é fétido

 

07 da manhã

o despertador toca

o cadáver se levanta

escova os dentes

espreme os vermes

que estão sob a pele

penteia os cabelos

faz o café

toma o café

o cadáver

vai para o trabalho

 

tudo é indiferente

tudo é insosso

tudo é desimportante

para o cadáver

 

12 horas

no pulso

o cadáver vai

até o restaurante

olhas as pessoas

não as percebe

enche seu prato

come

arrota

sai dali

 

17 horas

o apito avisa

o cadáver vai ao supermercado

pega aleatoriamente

latas

vidros

sacos

caixinhas

paga

sai dali

 

na rua

as luzes dos postes

se acendem

iluminando fracamente

a bizarra silhueta

de um cadáver

com sacolas plásticas

balançando em suas mãos

entra em sua casa

 

19 horas

o relógio na parede

o cadáver faz seu jantar

mexe na panela

frigideira

faca

garfo

prato

e copo

come

arrota

limpa a boca

no sujo

pano de prato

sai dali

 

20 horas

na televisão

o cadáver olha as imagens

impassível

desliga a tv

vai ao banheiro

mija

toma banho

alguns vermes

somem pelo ralo

escova os dentes

penteia os cabelos

sai dali

 

22 horas

no sino da igreja

o cadáver vai para o quarto

coloca o pijama

deita-se

antes de dormir

a rotina

que o assombra

há anos

e o cadáver aguarda

como em todas

as noites anteriores

que ao amanhecer

seu corpo atinja

a temperatura ambiente

 

o cadáver dorme

não sonha

37ºC