pela janela
ele olha a chuva lá fora
que está alagando o asfalto cinzento
melhor se a rua fosse de terra
- ele pensa -
enquanto lembra-se dos cheiros
e brincadeiras nas poças
levanta-se
com alguma dificuldade
para mover o corpo frágil
os pés menores que os chinelos
refletem-se no arrastar dos passos
abre a porta
e sai
na rua
a chuva forte o deixa ensopado
ele ergue os braços
e dança
e nessa dança
dançam
o menino que ousou sonhar
o adolescente que ouvia rock
o homem que casou
o pai também dança
dançam
o poeta tardio
o avô solitário
e assim sozinho
ele dança
e porque ele dança
o sol escondido sorri
a chuva se alegra
Deus se faz feliz
os vizinhos chegam apressados
e o levam - de volta - para dentro
enxugam com toalhas rotas o corpo enrugado
daquele velho louco
vestem-no com o surrado pijama azul
o colocam na cama
eles retornam para suas casas
ele se desculpa
ele tosse
ele tem gripe
ele tem sede
ele tem fome
ele tem pneumonia
ele descansa
2 dias depois
com o sol brando
se mostrando pelas janelas da sala
e todos eles estão lá
com olhares falsamente lacrimosos
mas verdadeiramente surpresos
porque não entendem o motivo
d'aquele velho rosto
pálido e frio
exibir um sorriso tranquilo e feliz
enquanto as chamas das velas
parecem dançar
nos braços dos castiçais alugados
© 2021 do autor
permitida a reprodução desde que citada a fonte
este poema não fará parte do próximo livro