no início
as águas
morna e confortável
o alimento na água
uma ligeira perturbação
e fez-se a luz!
I
a primeira das eras
era a da inocência
um animal
quatro torres o sustentam
tempos de alegria
— necessidades supridas —
e a confiança gentil
sábios momentos
deliciosa sonolência
e o premente desejo de evoluir — sem saber —
repentinamente
duas torres destruídas
— surge o homem —
e ele
com o olhar perdido na paisagem agora — para ele — diferente
mas ainda bela
e ventos se abateram
sobre a terra
causando pequenas mudanças
no que havia antes
II
uma mudança tranquila e chega
a segunda era
era a das descobertas
não mais olhar a paisagem
mas sim entrar na paisagem
— paradoxo
estar na paisagem
sem ainda fazer parte dela —
e sobre suas duas pernas
caminhar
descobrir — uma surpresa a cada olhada —
gestos
ações
sorrisos
delicia das flores
— ainda não conhece os espinhos —
descobrir-se e tornar-se íntimo
de sua própria natureza
mas ventos — agora mais fortes —
sopraram sobre aquela terra
modificando outras coisas
do que havia antes
III
as nuvens presenciaram a chegada da
terceira era
era a da assimilação
o homem
ainda se lembrava de seus antepassados
— afinal
eles eram recentes —
e assimilados esses ensinamentos
aplicava-os na sua própria evolução
sabia das delícias
— ele mesmo as havia experimentado —
e agora sabia dos espinhos
— havia se ferido em alguns —
sabia que o seu surgimento
coincidentemente se dera
com o das duas torres
— o que o tornava superior às outras criaturas —
teve poucos momentos de sábia reflexão
— e muitos de tola reflexão —
e ainda aprendendo
pensou
e ficou feliz em existir
uma tempestade — forte e súbita —
caiu sobre aquela terra
encobrindo grande parte
do que havia antes
IV
assim teve início
a quarta era
era a da inquietação
lembrava-se vagamente das histórias
de seus antepassados
e sobre suas duas pernas
andava sobre lama e escombros
sentia inquietude
pelo seu próprio futuro
consciente e inconsciente
racionalizava os instintos
conheceu a curiosidade
e com ela a vontade de saber
sobre toda a sua existência
e sobre a existência de outras tribos e torres
existiriam outras tribos e torres
além de suas duas torres?
saiu em busca
— aflito
esperançoso
e apressado —
procurando por toda a extensão da terra
uma brisa suavizava o sol
que secava a lama daquela terra
restaurando algumas coisas
do que havia antes
V
bebidas e dança saudaram a chegada d'
a quinta era
era a do amor
— recordações ainda mais vagas de seus antepassados
e de sua procura —
conheceu novas tribos
que tinham — cada uma —
suas próprias torres
dançou com elas ao redor do fogo
ao som de pandeiros e violas
bebeu com eles
fez-se um deles
— afinal
eram seus semelhantes —
e finalmente conheceu a deusa
e se mostrou a ela
e ela a ele
ela também mostrou
as luas mais brilhantes
os sóis mais ofuscantes
e as estrelas mais belas
e ela ensinou a ele
sobre o vento e a chuva
o fogo interno intenso
bem como as coisas do místico
e o porquê das folhas caírem no outono
e enquanto aprendia
ele oferecia — em sacrifício -
flores da primavera
ela contava — e ele também contou —
historia de seus povos
de seus antepassados — os dele viram subitamente visita-lo —
para após
caírem em quietude amorosa
trovões e relâmpagos — estes transmutados em fogo —
caíram dobre aquelas terras
destruindo tudo
que havia antes
VI
desta maneira teve início
a sexta era
era a do conhecimento
acompanhado por sua história
— e a de outros povos —
ergueu-se sobre suas duas pernas
e dirigiu-se em silêncio
para a montanha mística
em meditação conheceu-se
em quase plenitude
sabia agora
sobre ventos
chuvas
sóis
luas
e estrelas
sobre flores e espinhos
— afinal
havia experimentado tudo isso —
também sabia sobre o amor
— e a perda —
sabia que finalmente era parte da natureza
— ele era a própria natureza —
sabia mais
a história sobre trovões e relâmpagos
— de um antepassado recente —
sentiu-se forte — como acreditava que seus antepassados deveriam ser —
e mesmo sendo parte
do todo
sabia-se ser o mais poderoso
protegido pelas duas torres
tinha o poder de decidir
sobre si e sobre outras tribos
tinha sobre o seu jugo
o natural e o mineral
o amor e o ódio
o perdão e o rancor
deusas o decepcionaram
procurou meditar sobre algo além dos deuses
e a esta meditação
dedicou o restante do seu tempo
ventos e chuvas
relâmpagos ou trovões
nada mudou tanto aquela terra quanto o tempo
do que havia ali antes
epílogo
o sono e o cansaço chegaram com
a sétima era
era a do esquecimento
acordado pelo barulho
feito por algum animal
ficou curioso e tentou se erguer
mas suas pernas não suportaram o peso
— da história
dos antepassados
e a sua própria —
ficou onde estava
deitado na grama
— talvez o sol o tenha enlouquecido —
teve visões de todas as eras
seus antepassados sorriam para ele
teve visões de uma deusa
e de luas opacas
de estrelas caídas
de sóis em ocaso
quis chorar — não conseguiu —
conseguiu um sorriso — hipócrita cínico e triste —
tentou olhar o horizonte
mas o que viu foram as pontas
de duas torres em ruínas — de uma terra em ruína —
olhou-as por um tempo
— agradecido —
e estirado sobre a grama verde e morna
tornou a adormecer
ilustração : ana betsa
o mago (lápis sobre cartolina)
© do autor
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