a primeira vez que a vi
ela estava sentada no meio fio
vestia uma túnica longa
e de cor indefinida
ela estava sentada no meio fio
vestia uma túnica longa
e de cor indefinida
era noite e a chuva tinha passado
tentando iniciar conversa
eu disse um oi
ela virou-se vagarosamente
e pude perceber o seu olhar
— bem
eu nunca havia visto tanta dor
em um olhar —
perturbado balbuciei
meu nome é branco
ela — ainda me fitando — sussurrou
o meu é melancolia
a lua surgiu entre as nuvens
algumas estrelas também
e enquanto eram refletidas
no asfalto molhado
ela começou a me contar
sobre sua vida
— vida desalento —
falou ter muitas irmãs
e que elas — em conseguindo um amigo —
transformavam-se em companheiras
inseparáveis e leais
contou-me muitas outras coisas
— coisas abatidas —
em contraponto
contei sobre mim
— eu era tão jovem então —
coisas inconsequentes alegres ingênuas
e assim
um elo foi se formando
transformando-nos em um estranho casal
e ela dizendo-se cansada
pediu-me que a carregasse
e o tempo foi passando tão rápido
eu aprendendo enquanto carregava
minha amiga nas costas
íntimos
aprendemos brincar
e nessa brincadeira
por vezes
ela me põe calado
eu — ao contrário —
jamais consegui fazê-la rir
mas tenho comigo
antes que finde o tempo
farei aqueles olhos brilharem
ao menos uma vez
me lembro disso tudo
pois nesta noite
estou andando por uma rua úmida
cujo asfalto reflete as luzes dos postes
— se por acaso
sua janela estiver aberta
e você olhar para fora
poderá ver
a silhueta de um patético quasímodo
mas não se assuste
é apenas um homem —
eu
que caminho carregando
uma velha amiga nas costas
percebendo que a cada dia
ela fica mais pesada
conto uma piada ela não ri
e corresponde
— deixando-me prostrado e tranquilo —
sussurrando incessantemente em meu ouvido
despertencimento
despertencimento
ilustração: Luc-Olivier Merson
© 2022 do autor
25 comentários:
Com certeza você é o poeta do tempo. E este tem uma sutileza especial, a passagem entre a inocência e o momento em que a melancolia se apodera totalmente. Sutil, gemtil e sublime.
Bravo!
Maestro. Espera sempre vale a pena.
Poucas vezes um sentimento descrito tão diretamente e, ao mesmo tempo, de maneira tão velada. Coisa de gente grande, de Poeta Maior.
É de tirar o fôlego. A cada dia se superando.
Meu amigo poeta...cada vez melhor
Uma singela poesia capaz de nos colocar no lugar da personagem... Muito bom.
Uma singela poesia capaz de nos colocar no lugar da personagem… Muito bom.
Poético. A poesia no que tem de melhor.
Caraca! É verdade, nunca se pode faze- lá sorrir, mas ela sempre pode te calar... Muito profundo, Branco! Obrigada por compartilhar!
Mergulhar em um oceano profundo, o qual confundimos com um lago sereno a primeira vista. Assim é você. Brilhante!
Tudo a ver com o que muitos estão passando nos dias de hj. Cada vez melhor na poesia meu amigo!
Lindo. Como sempre nos faz pensar.
A mais pura poesia. Perfeita. Um presente.
Sem fôlego.
Lindo! Sutil melancolia!32👏👏👏
Muito lindo! Quanto cuidado com as palavras. parabéns!
Que lindo, se superando a cada dia👏👏👏
Como sempre se superando...
Bela poesia👏👏👏
Acho ótimo esse passar dos anos. É previlégio!
Vc falou magistralmente de uma das assombrações mais assustadoras, o fantasma da melancolia. Li olhando atrás dos meus ombros de vez em quando, com medo de encontrá-la. Um conto do desassossego. Como disse, magistral
Parabéns Wilson
Elaine Martins Franco
Meu Mestre e amigo. Cada vez melhor. Como mesclar melancolia e beleza? Somente Mestre Branco! Parabéns! Abraço e obrigado pelo prazer da leitura.
Sou o Conrado......gostei muiito... parabéns
Aqui Regina..... parabéns.....lindo!
As companhias que nos escolhem, não? Como sempre, um mergulho no SER. Mais uma lindeza, Branco! Beijos.
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