segunda-feira, 10 de outubro de 2022

e a melancolia brinca _^_ branco

 


a primeira vez que a vi
ela estava sentada no meio fio
vestia uma túnica longa
e de cor indefinida
era noite e a chuva tinha passado
tentando iniciar conversa
eu disse um oi
ela virou-se vagarosamente
e pude perceber o seu olhar
— bem
eu nunca havia visto tanta dor 
em um olhar 
perturbado balbuciei
meu nome é branco
ela — ainda me fitando — sussurrou
o meu é melancolia

a lua surgiu entre as nuvens
algumas estrelas também
e enquanto eram refletidas
no asfalto molhado
ela começou a me contar
sobre sua vida
— vida desalento 
falou ter muitas irmãs
e que elas — em conseguindo um amigo 
transformavam-se em companheiras
inseparáveis e leais
contou-me muitas outras coisas
— coisas abatidas 
em contraponto
contei sobre mim
— eu era tão jovem então 
coisas inconsequentes alegres ingênuas
e assim
um elo foi se formando
transformando-nos em um estranho casal
e ela dizendo-se cansada
pediu-me que a carregasse

e o tempo foi passando tão rápido
eu aprendendo enquanto carregava
minha amiga nas costas
íntimos
aprendemos brincar
e nessa brincadeira
por vezes
ela me põe calado
eu — ao contrário 
jamais consegui fazê-la rir
mas tenho comigo
antes que finde o tempo
farei aqueles olhos brilharem
ao menos uma vez

me lembro disso tudo
pois nesta noite
estou andando por uma rua úmida
cujo asfalto reflete as luzes dos postes
— se por acaso
sua janela estiver aberta
e você olhar para fora
poderá ver 
a silhueta de um patético quasímodo
mas não se assuste
é apenas um homem 
 eu 
que caminho carregando
uma velha amiga nas costas
percebendo que a cada dia 
ela fica mais pesada
conto uma piada ela não ri 
e corresponde 
— deixando-me prostrado e tranquilo 
sussurrando incessantemente em meu ouvido
despertencimento
  despertencimento 





ilustração: Luc-Olivier Merson
© 2022 do autor