sábado, 5 de setembro de 2020

o evangelho segundo pilatos -^- branco

 



prólogo

naqueles dias
- e nestes também -

I

não nasci judeu
tampouco me converti tardiamente
não perdi meu tempo
procurando respostas no vento
não protestei contra o mundo
enquanto meus bolsos se enchiam de dinheiro
não sou o filho pródigo de olhos azuis
estive sem abrigo quando a chuva forte desabou
fiquei quieto
mas não lavei as mãos

II

não fui um cachorro louco
tampouco chamei a atenção
não disse a mim mesmo - e ao mundo -
que era um filho da puta
não estraguei piqueniques
pelo simples prazer
de parecer contestatório
não tenho um olhar amalucado
ou trejeitos - e repentes - masoquistas
tampouco espero pela poesia
não coloquei em linhas a minha vida
pelo simples fato que ela - a minha vida - 
não caberia em parcos poemas
nunca bebi demais
imaginando-me um arquétipo de poeta
mas 
jamais lavei as mãos

III

não falei alto
tampouco me escondi atrás d' a porta
não precisei de uma heroína ou de um final amargo
não deixei meu cabelo - e barba -  crescer
apenas para perecer ter 
uma insuspeita atitude de revolta
não transei em publico - não mostrei minhas partes - 
tampouco pedi que acendessem meu fogo
- ele queima por si
desde sempre - 
para logo depois apaga-lo dentro de uma banheira
em um hotel estranho de uma festiva cidade estranha
sua morte sob águas
 - morte lavada - 
mas eu
não lavei as mãos

IV

não culpo minha cidade pelo que sou
tampouco ando meio de lado
- meu fardo é leve - 
e minha suave melancolia
não me faz parecer mais erudito
nunca procurei por rimas métricas e ritmos
tampouco presto contas das coisas que escrevo
não tenho diversas faces
- apenas uma - 
minha cidade não é apenas um quadro na parede
ela brilha pulsa e se transforma
nada me dói do que nela existe
por que
jamais lavei as mãos

V

não escrevi uma pequena valsa
tampouco fui um saltimbanco
poesia e educação clássica formam um belo par
que exerce seu fascínio sobre idiotas e  acadêmicos
estive ocupado demais - me mantendo vivo - 
para me preocupar com os rumos
do movimento populista brejeiro - e contratos em itália - 
não me travesti
apenas para esperar meu homem
sentada  como puta em uma pedra de um porto qualquer
não sou carpideira
nunca fui grega
mas também
não lavei as mãos

VI

não tive uma legião de fãs
- por acaso me ouviram gritar perguntando
em qual país eu estava - 
o silêncio é melhor que gritinhos de porra louca
não influenciei jovens
tampouco roubei ideias e poemas para fazer o meu discurso
não tirei fotos
entre folhas podadas
fascista entre criminosos
que ilude e agride os que vigiam
não tenho caráter sujo
envolto em um corpo putrefato
tampouco as mãos lavadas

epilogo

e enquanto falsos jesus (es)
acomodam-se no limbo com sua mãos limpas
junto minhas palavras - aos poucos -
sem estardalhaço e mínima ambição
meus poemas - eu nos encontro - 
sob a tábua quebrada
ou sob a pedra no canto
meus poemas
estão onde estou
no ir e vir de gentes e carros
no ficar de algumas pessoas
nas ausências sempre presentes
corpos almas e espíritos
falas e atos
sou claro
sou BRANCO
às vezes barrabás
nunca pilatos



©2018 do autor in poemas de gaveta

ilustração  marcus web / p.a. int