primeiro bloco
o gramado mal cuidado
na frente da velha casa branca
a porta com a pintura gasta em azul
com 3 janelas à esquerda
com 3 janelas à direita
no interior
1 recepção
1 escritório
outro escritório com banheiro — diretoria —
1 pátio
1 cozinha
segundo bloco
muitos quartos
apenas 2 banheiros
o cheiro de desinfetante de eucalipto
se mistura ao de urina seca
machucando o nariz
mas hoje
o clima é de festa e ansiedade
festa pela data
ansiedade dos funcionários
querendo ir embora para suas casas
e ficar com seus familiares
18h
anoitece e a mesa está posta
— mesa grande
mesa velha
mesa manca
mesa emprestada —
no período da tarde — ou no dia anterior —
alguns parentes menos insensíveis vieram
e trouxeram presentes
— meias
cintas
cintos
batons
camisas
vestidos
calças
etecetera —
que não ficarão com os presenteados
os funcionários os chamam pelos nomes
— fazem fila no pátio —
sentam-se com o que lhes resta de dignidade à mesa
e tomam depressa
a mesma sopa rala de cada dia
mas existe uma diferença
o bolo caseiro colocado sobre a mesa de canto
18h30
parabenizam-se com urgência
fazem apenas meia oração
e comem sofregamente o bolo
servido apressadamente pelos funcionários
pois as 20 h devem estar em suas camas
não sei dizer se estão felizes agora
mas posso garantir
que o Deus criança nasce nesta noite
e aquece o coração de cada um
enquanto dormem
com suas cabeças-brancas nos travesseiros
e os anjos meninos brincam
— entre as camas —
e suas risadas fazem os dorminhocos
sonharem com o antigamente
enquanto isso
no outro lado da cidade
— em uma casa muito parecida com esta —
anjos anciões velam o sono das crianças
e com suas mãos brilhantes e enrugadas
impõe-lhes esperança
lá fora
na noite escura e úmida
uma lembrança aleatória
e repentinamente
o guarda-noturno sorri
ilustração Web
©2023 do autor
reprodução integral ou parcial permitida desde que citada a fonte
21 comentários:
Uma mistura de abandono e esperança . Valeu muito a pena esperar por mais uma pérola sua.
Sempre se superando. Bravo!
Sem palavras.
Como sempre FANTASTICO!
Mais uma vez impecável, pai! Muito bom!!!!
Se superando mais uma vez
Linda e consciente, como sempre um artesão das palavras.
Estranho.
Este não trás a beleza transgressora de A DANÇA, também não trás a aceitação quase que automata de CADÁVER, mas estranhamento tem uma beleza interior, nas entrelinhas que mexe com o leitor, um equilíbrio perfeito entre o pessimismo da realidade e a paz do mistico e dos que estão harmonia com o seu passado. O último verso é a cereja do bolo, que deve er saboreado e repetido muitas vezes.
Bravíssimo!
Alcir
Maravilhoso..........Regina e Conrado...........adoramos
Maravilha! Tocante! Parabéns!
Senti uma provocação, uma espécie de despedida da infância.
Esta visita,em sua humilde, lar docê lar,me lembra quando pequeno.noite de Natal! Jamais existiria,de sete para oito horas,todos de barriga cheia,já se encontravam em seus leitos adormecidos!!!!
Quanto tempo meu amigo, mas valeu a pena esperar por mais um texto brilhante.
Como de costume, uma poesia rara. Li, na esperança utópica que um dia não existam mais os esquecidos.
Simplesmente mágico.
Triste... porém real! 👏👏
É maravilhosa a forma que você escreve. Tenho acompanhado seus textos e fico cada vez mais encantada com o que leio. Parabéns.
Mais um brilhante post. Para refletir.
Quanto tempo meu amigo.. mas valeu a pena esperar por mais esse pensamento que nos faz refletir com nostalgia sobre muita coisa. Grande abraço meu amigo .. uma ótima passagem de ano .. Deus o abençoe grandemente.
Só você, para transmitir tanta beleza na tristeza, tanta delicadeza na desesperança, e tanto amor nas entrelinhas. Muito obrigada por esse presente
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