o sol foi embora
e a noite cai sobre a cidade
escuto alguém assobiando uma
canção
passos nos paralelepípedos e
música
ressoam na rua escura
é apenas mais um rosto cansado
voltando para casa
e ao chegar lá
abrirá a porta e olhará
para o espaço vazio sobre a
mesa de canto
— ali ele guardava seus sonhos
dentro da caixinha de madeira
–
irá até a cozinha e abrirá a
porta da geladeira
pegará uma cerveja e a
despejará no copo
voltará para a sala
as luzes continuarão apagadas
acenderá um cigarro
cinzas cairão no chão
sem que ele se importe
e sentado
se lembrará dos sorrisos e
gargalhadas
mas coisas mudaram
perceberá então
que ele mesmo demorou para se
reconhecer
naquele velho refletido no
espelho
os ombros caídos
derrubados pelo tempo e
solidão
então
olhará pela janela e lá fora
a rua mal iluminada pelas
fracas lâmpadas dos postes
trará lembranças de sua
juventude
dos tempos das cantigas de
ninar embalando sua criança
do vento no rosto
em que nada era determinado
e assim sentado — olhando para
a rua –
seus olhos procurarão pelos
vaga-lumes
mas vaga-lumes não existem mais
acenderá outro cigarro
passará as mãos pelos cabelos
tentando encontrar a si mesmo
ou ao menos o exato momento em
que se perdeu
quando se transformou em pedra
e não sangrou
e ele segura o cálice com o líquido
já quente
— do qual beberá até a última
gota –
aguçando os ouvidos e tentando
ouvir cigarras tardias
— desencanto –
cigarras não existem mais
© 2023 do autor
reprodução integral ou parcial permitida desde que citada a fonte
cálice
retirado dainternet
25 comentários:
Poxa vida! Espero que o entardecer da minha vida não seja tão triste!
Mas se for, espero ter versos tão gentis, embora nostálgicos, me esperando nas palavras de alguém.
Um grande abraço!
PERFEITO. O tempo passou...caindo a ficha.
Excelente texto!
Amei!
Grande Mago.
Pensei que ao ler CADÁVER, eu estivesse lendo o que de mais profundo e tortuoso poema seu. No entanto, este, é macabro, triste, desesperançado, vai nos destruindo linha a linha. Grande e mórbido poema, escrito por um poeta maior.
Bela reflexão...o tempo passa...aceitemos a realidade! 👏😊
Um mergulho na solidão e abandono. Linda reflexão.
Poético, um tanto assustador enxergar este momento, gostaria de ler suas palavras com mais paixão pela vida!!
Mas ainda assim gosto desta visão do poeta Branco 👍
Traduz a angústia do existir
Gosto de ler você e suas entrelinhas.
O duplo sentido, o subentendido poesia de gente grande.
A cerveja que no verso final se transforma em líquido (vinho?), o copo que se transforma em cálice, e se formos atentos veremos que no ínio existe o caminhante (via crucis?).
Amargurado e irrefutável prova dos motivos que te fazem tão arredio.
Parabéns por mais esta grandeza compartilhada.
Alcir
Meu querido poeta, que prazer desfrutar de sua poesia hoje. Embora triste, bem triste. Mas a vida é feita só de belezas? Que bom existir a palavra que, em modo de poesia ou crônica, atenua as nossas dores.
P.S: mania de não ler depois de escrever. Retificada a falha rsrs
Como sempre, um texto reflexivo e visual. E o estilo e seguranca próprios de quem sabe o chão onde pisa.
A solidão da personagem é tão latente que doeu em mim. Uma beleza angustiante.
Estas linhas sobre o entardecer da vida e a percepção triste de que o tempo passa e não podemos recuperar 👏🏾
Linda reflexão, grande poeta.
O desamparo onde o passado é juiz de tudo.
Quando me disserem que são os bons momentos que ficam, vou mostrar essa poesia. Uma bela reflexão sobre o envelhecimento, arrependimentos e solidão. Obrigada por compartilhar.
Um verdadeiro show. Parabéns!
Muito lindo! O tempo passa e temos que viver, pois só se arrepende daquilo que não foi feito.
Através de uma poesia visual onde cada descrição vem carregada de significados, é impossível não parar e aplaudir. Você, como ninguém, passeia pela tênue linha entre o extraordinário e o piegas, no entanto, jamais se deixa seduzir por truques baratos. Você é grande poeta!
Puxa, My Lord, eu li ontem, só hoje pude me 'desimpactar' do seu poema e tentar escrever alguma coisa. Poesia linha a linha, de ponta a ponta, de desnudamento em desnudamento, resta menos que um rosto cansado, restará a tristeza pelo ocaso de uma vida que poderia ter sido e não foi, ou que foi mas não é mais e não se.renovou. pq tem uma hora que não só o rosto, mas a alma fica cansada, né?. Esperemos um final de vida menos...Enos assim. Fantástico poema.
Como sempre, arrasando.
Branco, sempre bom ler seus poemas. Este me deu uma agoniada. Pensar a pessoa, o tempo dela e tudo o que ela pode fazer de bom e de ruim, o quanto disso é para o mundo e não somente o dela. Refleti junto. Deu medo e depois deu alívio. Pensar a respeito ensina importâncias. Beijos e obrigada por me ajudar a pensar.
reflexão, de quão efêmero são os sonhos perante as realizações.
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