tudo
é fétido
07
da manhã
o
despertador toca
o
cadáver se levanta
escova
os dentes
espreme
os vermes
que
estão sob a pele
penteia
os cabelos
faz
o café
toma
o café
o
cadáver
vai
para o trabalho
tudo
é indiferente
tudo
é insosso
tudo
é desimportante
para
o cadáver
12
horas
no
pulso
o
cadáver vai
até
o restaurante
olhas
as pessoas
não
as percebe
enche
seu prato
come
arrota
sai
dali
17
horas
o
apito avisa
o
cadáver vai ao supermercado
pega
aleatoriamente
latas
vidros
sacos
caixinhas
paga
sai
dali
na
rua
as
luzes dos postes
se
acendem
iluminando
fracamente
a
bizarra silhueta
de
um cadáver
com
sacolas plásticas
balançando
em suas mãos
entra
em sua casa
19
horas
o
relógio na parede
o
cadáver faz seu jantar
mexe
na panela
frigideira
faca
garfo
prato
e
copo
come
arrota
limpa
a boca
no
sujo
pano
de prato
sai
dali
20
horas
na
televisão
o
cadáver olha as imagens
impassível
desliga
a tv
vai
ao banheiro
mija
toma
banho
alguns
vermes
somem
pelo ralo
escova
os dentes
penteia
os cabelos
sai
dali
22
horas
no
sino da igreja
o
cadáver vai para o quarto
coloca
o pijama
deita-se
antes
de dormir
a
rotina
que
o assombra
há
anos
e o
cadáver aguarda
como
em todas
as
noites anteriores
que
ao amanhecer
seu
corpo atinja
a temperatura
ambiente
o
cadáver dorme
não
sonha
37ºC
23 comentários:
Minimalista e completo. Quem de nós não carrega nestes tempos sombrios um zumbi dentro de si. Bravo!
Parece o que anda acontecendo com as pessoas nessa pandemia.
Exprime o nosso verdadeiro sentido nesses "novos tempos"...
Gostei demais deste texto. Nenhuma esperança, nenhuma salvação, nada que valha a pena.
O grande Mago das palavras retorna nos enfiando verdade goela abaixo e faz isso com clareza e sem concessões.
Daqueles com poder de bagunçar coisas lá dentro
U verdadeiro soco no estomago. A distopia real. Retorno matador .
Perfeito. Para esse tempo de pandemia é o que verdadeiramente nós sentimos.
Perfeito
Lord White!!! Que prazer revê-lo!!!
E inspiradíssimo!!!
Estamos todos um pouco cadáver. Como sempre passa um filme.
Como diz seu colega de Itabira:
"Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação."
Seja bem-vindo de volta!
Um cadáver autômato. Me dá um certo desespero, sabe? Todo dia luto para não cair nessa mesmice, mas de repente acho q sou abduzida! Como a gente desliga o interruptor da rotina. Seu texto é uma poesis-meditacão! Gde abç!
Verdade, até que todos nós cadáveres esfriemos de vez antes de irmos para a mesma cidade estamos na fila.
A rotina mata qualquer um. Muito bom meu irmão!
Li todos. Virei fã incondicional.
Tão frio.
Que fez dele ser assim tão solitário?
Tão triste.
Um homem não pode viver assim.
Uma leitura doída.
Demais! A rotina nos transforma em zumbis.
Branco, Branco... soco no estômago de realidade em metáfora não tão metafórica assim. Eu gosto, vem feito lufada de vento, certo frescor.
Pura realidade
Parabéns Wilson
Elaine Franco
Acho que estou vivendo assim desde ano passado!
Realidade de muitos!
Parabéns Wilson
meu Deus, que poema concretista é esse, q vai descendo amargo, mas a gente nao consegue parar de ler, hipnotizada, enquanto se pergunta, na angústia: o cadáver seremos nós? Inclino-me, respeitosa e maravilhada, My Lord.
Maravilhoso como sempre. Uma triste, real e bela poesia, que como as outras nos faz refletir e aprender sobre nós mesmos.
E no dia seguinte, a história se repete
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